sábado, 17 de outubro de 2009

Desde que não chova_1



Quando soou o primeiro foguete, bem cedo pela manhã, já o Sol entrava pelas janelas. Era domingo, dia de festa, na vila todos aguardavam por este dia com mais ou menos anseio. Luís já estava acordado, havia-se levantado cedo, mal tinha dormido, passou a noite às voltas na cama. Com o som forte e seco do primeiro foguete assustou-se e fez um ligeiro corte no queixo com a lâmina de barbear. Estava distante, tinha o pensamento numa estrada de esperança e saudade que vinha de longe. Voltou aos seus pensamentos e continuou a deslizar a lâmina pela pele ainda jovem e macia, ao ritmo da música que cantava para ele próprio.
No centro da vila ainda havia uma paz matinal instalada. Daí a pouco estariam as ruas cheias de gentes da terra, homens e mulheres que não conheciam outro lugar no mundo, emigrantes e turistas. Semanas antes já se notava que a festa estava a chegar, com arranjos nas ruas e nos jardins, uma pintura de fresco, uma estrada que se compõe e umas flores que se colhem para enfeitar o caminho da procissão. As senhoras escolhiam os vestidos e os senhores tratavam de que nada faltasse ao senhor Padre para receber o senhor Bispo. No dia, usava-se o serviço de mesa que estava arrumado para a ocasião e recebia-se um tio afastado que volta à terra para a festa. Iam à missa, comungavam, saía a procissão com os andores até à capela e já com o sol a pico voltavam para o almoço. O vinho que estava guardado na cave via luz finalmente, a rolha estalava como os foguetes vindos da igreja, comia-se bem e bebia-se melhor, pela tarde fora, até que fossem horas do baile. Era assim, sempre assim, sem grandes novidades, era aquilo a que se habituaram a chamar tradição. Como diziam os velhos, “desde que não chova…”

Luís tinha-se levantado cedo como não se lembrava. O dia era especial por um só motivo, mas não era pela festa em si. Não era pela festa mas por quem vinha com ela, numa estrada que nunca lhe parecera tão longa. Depois do barbear e do banho vestiu-se sem tirar os olhos do espelho ao fundo do quarto, apreciando como lhe assentava a camisa nova. Desceu as escadas, passou os corredores e encontrou a mãe na cozinha a ultimar os doces para o almoço.

- Bom dia Luisinho! Tão cedo e já acordado?
- Bom dia! Luís mãe, é Luís… quando me chamas Luisinho parece que tenho 10 anos… Sim, vou ter com o Tó ao centro e depois encontro-vos na igreja, está bem?
- Sim, mas não te atrases. E já agora, para mim tens sempre 10 anos… - Ao dizer isto a mãe apercebe-se do quanto ele realmente cresceu. Cresceu tanto que está um homem. Mas parece que continua a ter 10 anos.

No café do centro, já lá estava o António, Tó como lhe chamava, amigo de sempre do Luís, desde os tempos da escola, do futebol na rua e das primeiras namoradas. Conheciam-se bem, liam-se nos olhos e estavam lá sempre um para o outro, no melhor e no pior. Nesse dia, o Luís precisava do Tó e ele não lhe falhou.

- Bom dia alegria! - saudou o Tó
- Bom dia. Isso é tudo sono? – Ironizou o Luís, sabendo que o amigo nunca acordaria àquela hora se não fosse por ele.
- E isso é tudo amor? – Respondeu o Tó com a mesma ironia.
- Claro que é! Já pediste o pequeno-almoço?
- Ainda não.
- Então vamos pedir. Temos de nos despachar, não quero chegar tarde à missa, por essa hora a Leonor já lá deve estar.
(Continua em breve)

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