domingo, 18 de outubro de 2009

Desde que não chova (continuação_3)

Luís e Tó percorreram toda a pista, entraram nos coretos, foram aos bares, ao fundo do jardim, voltaram à entrada, deram mais uma volta ao percurso completo e nada.

- Ela não veio Tó. Não acredito que ela não veio. E não me respondeu à carta.

- Não sei… Pode ter acontecido algum contratempo, alguma urgência e não puderam vir.

- Pois, também não sei… Olha ali… Espera… Está ali a mãe dela!!! É a mãe dela… – Luís deu um salto, apontou na direcção da senhora que mesmo à distância e naquela confusão não deixou de reparar.

- Sim, e o pai vem atrás. Deve ser a família dela não?

- É, são os tios e a avó que nasceu cá. Foi com a avó que ela viveu até aos 14 anos antes de ir para Lisboa, lembras-te?

- Sim… E a ela já a viste?

- Pois, ela é que eu ainda não vi. Tenho de estar atento.

E esteve. Atento toda a noite, a toda a gente, a todos os pares, a todos os vestidos que rodavam com a música, mas ela não apareceu. Não foi capaz de perguntar por ela a quem quer que seja. Sentou-se já desolado, completamente de rastos, à medida que a última esperança, de que no meio da confusão ela aparecesse lhe perguntasse se demorava muito a convidá-la para dançar, se ia desvanecendo. Pensou depois se ela teria recebido a carta. Se a tinha lido. Se a tinha queimado. Se ainda se lembraria dele. Se gostaria dele ainda, como ele gostava dela. Porque não teria ela vindo com a família? Não tinha respostas…

Ainda viu, já no final da noite, o Tó a dançar com a Inês, bem agarrados, e percebeu porque ele falava tantas vezes nela. Aproveitou a distracção do amigo e saiu.

Não encontrava razão para o que tinha acontecido. Parecia que tinha esperado um ano, um ano completo, para a ver novamente e esse tempo que tanto custou a passar, fugia-lhe agora debaixo dos pés. Olhando para trás, foram dias e dias a pensar como lhe poderia oferecer um dia inesquecível que mesmo sendo um só, compensaria todo o ano que os manteve afastados. Ela vinha para a festa e no meio da confusão do baile ele puxava-a para fora, iam caminhar de mãos dadas até ao rio, passear de barco, naquele rio onde mergulhavam nos tempos de meninos, quando ele tinha 10 anos, e ia pedir-lhe que casasse com ele na igreja onde se tinham baptizado, onde supostamente ele a teria visto nesse domingo de manhã. Ela iria lembrar-se deste dia para sempre porque nunca mais o deixaria, como ele sempre imaginara.

Enquanto olhava para o rio, sentado no barco que levara para lá da margem numa escuridão só quebrada por um luar perfeito, Luís olhava para a palma da mão onde uma aliança de prata descansava depois de meses à espera que este dia chegasse. Iria perguntar-lhe se era ele que ela queria para os anos vindouros da sua felicidade, para construírem juntos uma história de amor que não conhece mais do que duas personagens que mesmo afastados no espaço estavam juntas na saudade, para se unirem e continuarem lado a lado, para darem o bisneto ao senhor Amorim e ensinarem aos filhos que basta um barco e dois remos para partir rumo à felicidade. Mas não foi assim. Ela não apareceu e o mundo desabou-lhe sobre os ombros. Chorou lágrimas e sonhos, desolado, sozinho.

Ao fundo ouviu alguém a chamar. O Tó deixou de o ver no baile e percebeu rapidamente o que se passava. Pobre Luís pensou ele. A ausência de resposta à carta deixara-o intrigado mas não quis estragar os sonhos ao amigo. Afinal, bem podia ter sido o pai dela a apanhar a carta e ela podia nem a ter lido e aparecer na mesma. Ou simplesmente não queria ver o Luís, tinha deixado de gostar dele. Não sabia, ninguém sabia…

Chamou-o da margem, esperou por ele sentado no porto. Luís chegou, lento e triste, com o rosto marcado pelos destroços dos sonhos. Juntos amarraram o barco ao porto e sem falarem seguiram caminho para casa.

Passaram no centro da vila, onde já se desmontavam as floreiras, se varriam as ruas e se apagavam as velas do caminho da procissão. Tal como a festa, também a esperança dele se tinha ido com o sol, com os foguetes e com as flores. Correu bem a festa, estava tudo bonito, tudo preparado. Como ele, bonito e preparado para lhe dar o coração. Para o ano, novas flores darão cor às ruas e novos sonhos moverão o Luís. Desde que não chova, como pedem os velhos.

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