quinta-feira, 24 de junho de 2010

deusa

A minha deusa é ainda mais bela por não saber que é uma deusa.

A minha deusa é de uma altura que não imagina. Não dessa altura que se mede mas daquela que se sente. Aquela altura que não se toca nem se vê e que a coloca superiormente sobre o meu mundo.

Tudo nela é simples e ao mesmo tempo perfeito, do tamanho dos olhos ao do coração. Possui uma cintura de vespa e um cabelo farto e despenteado, como tão bem lhe compete e melhor lhe assenta. Como todas as deusas, parece eternamente jovem e reina sobre tudo o que a rodeia sem sequer dar por isso.

É tão bonita por dentro como é por fora. Tem a força de um sonho e a sensibilidade de uma lágrima. Ela, a minha deusa, que sonha e chora, não sonha nem chora sozinha porque eu vivo os seus sonhos e choro as suas lágrimas.

A voz é de menina, leve e solta, tão suave que muda o sentido das palavras, própria dos seres que não são bem deste mundo. Nas mãos é capaz de segurar o vento, com aquela capacidade de prender o que devia ser de todos, mas que ela, involuntariamente, capta e prende em si, obrigando-me a mim que sou mais vagabundo que o vento, a fixar-me nas suas palmas. E depois, sorri, inocente, continuando sem saber que é apenas uma deusa, vivendo neste mundo de pagãos incapazes de a compreender.

Não sabe que todos os dias faz milagres com apenas um sorriso, não mede a generosidade com que trata os amigos, não sonha o quanto as pessoas gostam e precisam dela. Mas há deusas assim, que passam pela vida sem adivinhar o que são, como se fossem iguais às outras mulheres e que encolhem os ombros perante os seus defeitos, numa discrição congénita, quase tímida, quase infantil, desconhecendo o imenso poder que emanam.

Não preciso de rezas nem de altar para a minha deusa, basta-me a memória, que me traz o calor do seu abraço, a imagem do seu sorriso com brilho nos olhos, o som das palavras com que me revela a sua história e o cheiro a mel do seu pescoço. Para a ter comigo, em qualquer instante, basta-me fechar os olhos e respirar profundamente.

Se os homens fossem deuses, nasceriam e morreriam nos braços de uma mulher. Se eu fosse também um deus queria ficar com ela e ver o mundo mudar à sua volta enquanto o tempo passa sem lhe tocar, porque as deusas são eternas. E mesmo que um dia tudo acabasse, sei que teria tido a maior sorte do mundo, porque vivi na terra com uma deusa e poucos mortais têm tão rara e melhor sorte.