quarta-feira, 28 de julho de 2010

enquanto eu dormia


Estava frio quando saíste e encostaste a porta, com mil cuidados, para eu não acordar. Pensavas tu que eu ainda dormia, mas não.
Senti-te despertar e descolares o teu corpo do meu, lentamente, ainda bem cedo. Sentaste-te na cama, suspiraste, e pareceu-me que voltaste o pescoço para me olhares. Deve ter sido sobre o ombro direito, enquanto alisavas o cabelo sobre o lado esquerdo do peito, e também deves ter inclinado um pouco a cabeça, tentando alinha-la com a minha, como fazes sempre. Tu pensavas que eu dormia profundamente, mas não. Enquanto reunias a roupa espalhada pelo chão do meu quarto, eu sentia a batida de cada passo teu e de olhos fechados imaginava o percurso que fazias, a satisfação que sentias por vestires apenas a minha t’shirt larga e mesmo assim estares perfeita. Deixei-me ficar com os olhos fechados, cabeça enterrada na almofada, cheirando o que restava de ti naquela cama e recordando os arrepios que me trepavam a cada beijo teu. Estava frio e eu cheguei os cobertores ao pescoço, sentindo a tua falta, antecipando uma rotina que se repetiria vezes demais.
Quando abri os olhos pela primeira vez, estavas de costas a sair, encostando atrás de ti a porta, com mil cuidados. Olhei para o chão e no caminho entre a minha cama e a tua porta lá estava ela, a minha t’shirt que te ficava tão larga como sensual e que tu deixaste para trás, ao sair por fim, sem me acordares.
Foi a última vez que usaste um pouco do meu perfume só para me levares contigo, a última vez que te sentaste na cama e me olhaste sobre o ombro direito, enquanto alisavas o cabelo no peito esquerdo, foi a única vez que saíste por aquela porta e deixaste a minha t’shirt no chão.
Quando acordei a meio da noite, agitado e suado, demorei uns segundos a perceber o que se passava. Então senti a tua cabeça deitada no meu ombro e aos poucos percebi que estava apenas a sonhar. Respirei fundo de alívio, vi o teu ar tranquilo e profundo enquanto dormias, usando a minha t’shirt, e voltei a adormecer.

Obrigado pela ajuda, Leila

terça-feira, 20 de julho de 2010

o teu amanha


Queria ser novamente criança e escrever-te uma carta. Queria escreve-la e colocar nela o meu perfume, na esperança de que ao me inspirares, me levasses contigo. Davas-me a mão, partíamos para onde quer que fosse, inocentes ou felizes, talvez ambos, porque a inocência é a maior felicidade e assim tudo é mais fácil, é mais simples, mais natural. Nesses dias, bastava sentares-te à minha frente, entre as minhas pernas, e deixares-te cair no meu peito, lentamente, para eu te sussurrar os versos que tinha escrito na sala de aula, quando parecia distraído, enquanto olhavas para mim de fininho com medo que eu encontrasse o teu olhar desprevenido e tu corasses de vermelho timidez, versos que saiam ao ritmo dos teus suspiros, baixinhos, lentos, prolongados. Então ficávamos ali, suspensos sem tempo nem espaço, entre sussurros e silêncios, partilhando as batidas que marcavam o ritmo da nossa inocência, da nossa felicidade, enquanto não tínhamos perguntas nem queríamos respostas, enquanto nos bastava saber que existe um amanhã, lá ao longe…

Mas tu nunca recebes-te essa carta, talvez porque eu nunca a tenha escrito, é verdade, mas só sei que nunca me deste a mão e esses versos que ainda eu hoje sei sussurrar, já não são inocentes nem felizes, já fazem perguntas e exigem respostas e por isso, vou amarrota-los e atira-los da minha cabeça, não num teu amanhã porque ainda está lá longe, mas num meu ontem porque já se fez tarde. Vão-se os versos mas ficas tu, porque na vida guardamos melhor quem nos marca por ficar do que quem marca por partir.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

esta estrela que te dou


Do mundo em que vives, esse mundo em que deslizas sobre as pedras gastas da calçada, onde cai a chuva que te lava a alma e onde sopra o vento que te leva os suspiros, desse mundo que é muito povoado e por isso nunca estás sozinha, mas também demasiado grande e por isso sentes a falta de alguém, olhas o céu e nele vês as estrelas onde eu gostaria de estar contigo.

Roubei uma estrela ao céu, para ti. Para nós… Para que possamos lá ir e esquecer de todos os lugares onde estivemos, para contarmos histórias da nossa história, nós que somos amigos há mais anos do que os que vivemos. Eu, que acho que nasci com uma alma nova, porque olho para o mundo e vejo estrelas, já te conheço dos meus sonhos, onde não tinhas rosto nem nome, mas eu lembro-me de ti, eras tu. Tu, que vens de uma época sem tempo, dias que não vivi, percorreste um caminho que se cruzou com o meu num lugar improvável, numa data inesperada, e que hoje, tens esta estrela só para ti. Só para nós…

Anda daí. Vem comigo percorrer esse trilho que os olhos imaginaram e que o coração fez sonhar, esse caminho de querer e de sentir, onde queres ir para sentir que os sonhos têm uma estrela como palco.

Esta estrela que te dou, não é perfeita. Não tem o calor do pôr-do-sol nem a frescura da água do mar, não tem o verde da natureza nem o azul do céu, não tem o voo dos pássaros nem o cheiro das flores. Falta muito nesta estrela, para que seja perfeita. Falta-lhe tanto que nem sei o que já tem. Mas aqui, nesta estrela que roubei para nós, nunca te faltará o calor de um abraço, a frescura de um beijo, um ombro para chorares os danos que sofres neste mundo ou um riso descontrolado para partilhares o que neste mundo te faz jubilar.

Neste mundo, nem sempre conseguimos encontrar-nos no tempo presente, por isso reavivo o nosso passado e imagino o nosso futuro. Deste mundo onde nem sempre tens tempo para mim e nem sempre eu o tenho para ti, olho a nossa estrela e acredito que voltarás sempre, porque se a vida é um eterno regresso a casa, a amizade é um amor eterno. Essa estrela é o lugar perene da nossa amizade, dos regressos desejados, dos dias sem fim e de um sem fim de dias que serão nossos na nossa estrela.

Podes ter a certeza que o tempo em que estamos com aqueles que nos querem bem é sempre um tempo ganho, como quem acumula pontos de felicidade para o futuro. Mesmo que seja na nossa estrela, ou cá em baixo, neste mundo, tanto faz o tempo e o lugar, o que conta é o modo de ser e de amar.

Inspirado e com trechos de "Anda daí" de Margarida Rebelo Pinto, de 23 de Março de 2005