domingo, 1 de novembro de 2009

Desde que não chova (continuação_6)


Os pais e a avó iriam para S. Sebastião no próprio dia da festa, domingo, e voltavam no dia seguinte, segunda-feira. Leonor ficou com a amiga. A inquietação das questões que colocava a si mesma era quase angustiante. Como seria possível que já não amasse o Luís? Como seria possível que apesar das saudades e de pensar nele todos os dias, não quisesse realizar os seus sonhos com ele ao lado? Por estranho que pareça, apenas o facto de ter colocado tudo em causa era já meia resposta. Tinha de encontrar a outra metade.

O dia em casa da amiga corria bem. Era o seu 18º aniversário, reuniu a família e os amigos mais chegados para um almoço. Sempre que podia, Leonor retirava-se um pouco da confusão e pensava no sofrimento que estaria a causar ao Luís que por essa hora já teria notado a sua ausência mas ao mesmo tempo tinha sido incapaz de lhe escrever atempadamente para lhe explicar o que não conseguia explicar nem a si própria. Neste dia, ele certamente que esperaria por ela, para o baile, para dançarem, para oferecerem em horas os beijos que guardaram durante um ano, para serem felizes naqueles instantes. E depois? Mais um ano de espera, de sofrimento, de saudade? E se aparecesse alguém no caminho de um deles? Valia a pena este sofrimento?

Já pelo final da tarde, recolheu-se um pouco. As palavras da avó invadiram-lhe o pensamento. Admirava-a pela sensatez, pelos conselhos sempre pertinentes. “Não fujas de nada nem de ninguém” disse-lhe a avó. “Pensa bem no que queres para ti e luta por aquilo em que acreditas”. “Só assim serás feliz”. Estas palavras faziam agora eco na sua cabeça.

Debruçou-se na janela, vendo no céu vermelho ao fundo um pôr-do-sol já tapado pelos edifícios de frente mas ainda assim capaz de lhe prender o olhar. Divagava agora nos pensamentos e nas emoções, sentindo falta das pessoas e das ruas de S. Sebastião, daquela natureza linda e fresca, do rio brilhante, dos campos de perder a vista. E do Luís, sentiu uma grande saudade dele, de o ver correr ao seu lado, de o abraçar e do sentir que o olhar dele só a via a ela. Foi então que encontrou a metade que lhe faltava das respostas. Imaginou-se dali a alguns anos, sem ele. E imaginou-se infeliz, pois nunca tinha pensado em mais ninguém ao seu lado. Imaginou-se dali a uma vida, sem ele. E imaginou-se velha, sozinha e infeliz, porque estaria sem a pessoa que lhe fazia bater o coração. Imaginou-se dali a uns dias. Com ele. E imaginou-se feliz. Então pensou nele, em como estaria desolado ao confirmar a ausência dela, em como lhe teria custado passar o ano até aquele dia, para se desiludir. Como dizia ele na carta, “todos os dias são mártires só porque não te tenho. Todos os dias são bons porque quanto mais passam menos falta para te ter”. Ele amava-a, não tinha deixado margem de dúvidas quanto a isso. E ia esperar por ela, naquele domingo que se esperava sem chuva, para a receber de braços abertos. E tinha uma surpresa.

Quando Leonor fechou a janela já não tinha dúvidas. Sim, amava o Luís. Sim os sonhos continuavam a fazer sentido. Sim, valia a pena correr para ele em vez de esperar pelo futuro.

Nada fez nessa noite senão esperar. Estava à responsabilidade dos pais da amiga e não queria arranjar problemas. Esperou pela manhã, despediu-se e foi a casa. Os pais só pela hora do almoço estariam de volta. Pegou num casaco, tirou dinheiro do guarda-jóias e saiu em direcção à estação de comboios de Santa Apolónia. Estava decidida. Queria estar com ele, não tinha agora nenhuma dúvida disso. Culpava-se por ter colocado tudo em causa mas agora o que tinha a fazer era ir ao seu encontro, porque era no amor dele e no seu amor por ele que acreditava. Estava a lutar por isso, como tinha dito a avó. Estava a lutar por ser feliz.

Apanhou o primeiro comboio em direcção a S. Sebastião do Campo. Uma viagem longa, demorada e desconfortável que ela sabia que tinha pela frente, mas mesmo assim continuava firme na sua convicção. Chegou ao destino ao meio da tarde e ainda o sol brilhava com força. Olhou em redor e viu as imagens que guardava na memória, ali bem na sua frente, vivas. Abriu o peito e encheu-o daquele ar puro, daquele calor natural que ela adorava. Saiu da estação e percorreu a pé o pouco que faltava até ao centro da vila e daí seguiu até casa dele. Pelo caminho encontrou o que restava da festa, nas ruas e nos jardins. Ainda estava tudo bonito, teria sido certamente uma grande festa. Em casa dele, tentou vê-lo sem ser descoberta. Sem efeito. Determinada, tocou na campainha. A mãe apareceu e surpreendida pela moça jovem e bonita na sua frente lá disse que ele não estava desde manhãzinha. Deveria estar pela vila ou com o amigo António, disse a mãe. Voltou ao centro da vila, para o procurar e continuou sem sucesso. Depois de algumas perguntas a umas senhoras que encontrou na rua, descobriu onde morava o António, amigo do Luís. Estava decidida a encontra-lo, desse por onde desse. Foi a casa do Tó.

- Olá António. Recordas-te de mim? Sou a Leonor?

- Sim, recordo-me. Como é que tu estás aqui? Quer dizer, o que estás aqui a fazer? – Ele não acreditava naquilo que via. Ela não tinha vindo à festa e agora estava ali.

- Vim ter com o Luís mas não o encontro. Já fui a casa dele mas não estava. Passei no centro e também não o vi. Sabes onde possa estar?

- Não sei. Não o vi hoje, só estive com ele ontem. Ele procurou por ti, pensava que vinhas à festa… ficou de rastos.

- Eu imagino! Não sabes onde ele possa estar?

- Não. Se não está em casa nem no centro da vila, não sei…

- Obrigado na mesma. Vou continuar a procurar, se o vires diz-lhe que o procuro… e que o amo!

E virou costas. Triste mas determinada a continuar à procura. Ouviu então uma voz, que chamava o seu nome. Voltou-se novamente.

- Leonor! Procura no rio. Ele pode estar no rio…

-Obrigado António, obrigado!

Claro! Ele tinha de estar no rio. Ele adorava o rio. Era para lá que ia quando estava triste, para estar sozinho, para reflectir e para se encontrar. Leonor saiu a correr para o rio, claro, ele tinha de lá estar. Como não tinha pensado nisso?

Correu até lá com o coração aos pulos. Ao chegar ao rio ouviu o ambiente à sua volta, calmo e silencioso. Rompeu o silêncio, gritando.

- Luís!!! Estás aí, Luís?

Ninguém respondeu. Continuou a chamar e a procurar ao longo da margem, mas não teve resposta. Viu o pequeno porto que lá havia, e foi lá, procura-lo, chama-lo. Sem resposta. O Luís não estava no rio. Não estava em parte nenhuma.

Desolada, depois de subir e descer a margem à procura dele, sentou-se no porto como quem espera por um barco que chegasse e que o trouxesse. Mas esse barco não chegou nunca àquele porto. E ela voltou para Lisboa, sozinha, infeliz.

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